“Portanto, se vocês comem, ou bebem ou fazem qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus”
(1 Coríntios 10.31).
Em
outros posts[1], falei sobre o
protagonismo político da igreja evangélica na sociedade brasileira e sobre a
união da política com a religião evangélica no contexto atual brasileiro, me
posicionando não somente contra esse protagonismo, mas também contra essa união
da igreja com a política partidária, por perceber alguns equívocos nessa
relação. No entanto, esse meu posicionamento se relaciona à igreja enquanto
instituição, não ao crente pessoalmente.
Como
sabemos, a política está presente no nosso dia a dia, influenciando nossas
vidas para melhor ou para pior. Sendo assim, nada mais justo do que o crente,
enquanto cidadão, com direitos e deveres em relação à sua cidadania, participar
da política. No entanto, fica no ar a pergunta: como o crente deve se comportar
em relação à política? Neste post,
apresento o meu ponto de vista sobre a relação do crente com a política, a
partir de algumas questões a ela relacionadas, como seguem:
1. O crente pode ser um
político?
Sim,
o crente pode ser um político, exercendo uma atividade parlamentar, seja na
esfera municipal, estadual ou federal. No entanto, além de estar convicto da
vocação para o exercício e militância na vida política, o crente precisa estar
atento à sua conduta enquanto político. Como crente em Cristo, sua conduta na
política deve ser pautada nos princípios éticos e morais presentes na palavra
de Deus (2 Timóteo 3.16); e sua atuação como parlamentar deve visar ao
bem-estar social das pessoas – independente de sua religião – (Gálatas 6. 10),
de modo a promover a honra e a glória de Deus. Portanto, o crente deve entender
que o propósito maior de sua vida é servir e honrar a Deus acima de tudo, e
isso inclui sua conduta na política, sempre vista com desprezo em nossa
sociedade, em razão dos frequentes casos de corrupção envolvendo parlamentares
de vários credos religiosos.
2. Qual ideologia política
defende os princípios da palavra de Deus?
Nenhuma
ideologia política atual, seja de direita, de esquerda ou outra qualquer, tem
como objetivo intrínseco defender os princípios e valores presentes na Palavra
de Deus. Essa incumbência é única e exclusivamente da Igreja, a qual o Senhor
resgatou com seu precioso sangue (1 Pedro 1.18,19), dando-lhe a missão de
pregar o evangelho a toda criatura (Marcos 16.15). Sendo assim, precisamos
entender que as ideologias políticas existem para atender a aspectos puramente
humanistas, promovendo a pluralidade de pensamento, característica fundamental
de uma sociedade democrática. No entanto, é possível constatar nessas
ideologias alguns princípios que comungam com a Palavra de Deus, mas isso não
quer dizer, necessariamente, que elas estão em defesa do que a Palavra do
Senhor propõe como valores para a vida humana. Na verdade, as ideologias
políticas, por serem frutos da mente humana, são, em sua essência,
contraditórias, apresentando princípios e valores que, muitas vezes, se contradizem. Isso ocorre, por exemplo, quando uma ideologia, de direita, se posiciona contra o aborto, mas defende o armamento da população ou o uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura, sem considerar as consequências advindas dessas ações; outra, de esquerda, se mostra contrária ao uso indiscriminado de agrotóxicos e ao armamento da população, mas tem simpatia pelo aborto. Portanto, nenhuma ideologia política existe para defender os princípios e valores da Palavra de Deus, mas para promover a pluralidade de pensamentos no campo das ideias políticas e, com
isso, atender a diversidade sociocultural que deve fazer parte de uma sociedade democrática.
3. O crente deve votar em
candidato não crente ou somente em candidato crente?
O
crente precisa entender que o voto é um exercício de cidadania que exige muita
responsabilidade de sua parte. Sendo assim, compreendemos que ele pode votar
tanto em candidato crente quanto não crente, desde que o faça com inteira
responsabilidade e temor. Como sabemos, há políticos crentes e não crentes
envolvidos em esquema de corrupção, respondendo a processos na justiça; há também
políticos crentes e não crentes que, do ponto de vista de suas atividades
parlamentares, são verdadeiros parasitas, se valendo da função parlamentar
apenas para benefício próprio, sem nenhum projeto político que implique em
melhoria para a vida da população. Nesse contexto, o crente, ao escolher o seu
representante, seja ele crente ou não, deve fazê-lo com muita responsabilidade,
acompanhando suas atividades parlamentares para conhecer a sua atuação na
esfera política, incluindo aí suas crenças e valores. Caso o candidato não
crente se revele a favor ou defensor de princípios e valores que vão de
encontro ao que a Palavra de Deus estabelece, o crente deve rejeitá-lo como seu
candidato, e não deve votar nele em hipótese nenhuma. Portanto, não é por sua religião
que determinado candidato será um bom ou mau político, mas por suas atividades
enquanto parlamentar: se defende a liberdade religiosa e a laicidade do Estado;
se defende e valoriza a família tradicional; se preza pelos princípios éticos e
morais; se combate as desigualdades sociais, o desemprego e a corrupção; se
prioriza a saúde, a educação e a moradia, etc.
4. O crente deve seguir a
orientação da liderança de sua igreja para votar no candidato por ela apoiado?
É
cada vez mais comum nos nossos dias o envolvimento de igrejas evangélicas com a
política partidária. Algumas delas, inclusive, criaram seu próprio partido
político. Em época de eleições, vemos que muitos cultos parecem mais comícios
políticos, com apresentação dos candidatos apoiados pelas lideranças dessas igrejas.
Também é comum, por parte de algumas lideranças evangélicas, pedir o voto dos fiéis em favor de determinado candidato, às vezes de forma coagida e
constrangedora, com ameaças que colocam em dúvida a salvação do crente que tem
uma opção política diferente. O que todo crente precisa entender, no entanto, é que não
é o seu voto que vai lhe garantir a salvação ou a perda dela. A salvação do
crente está, exclusivamente, na sua aceitação à pessoa bendita do Senhor Jesus (João 3.36), ao
passo que o seu voto é um ato de cidadania, que pode resultar em benefícios
sociais ou não para ele e toda a sociedade, a depender do candidato escolhido,
sua atuação parlamentar e/ou sua política de governo. Assim, o crente deve, ele
próprio, escolher seus candidatos políticos de forma livre, consciente e com
muito temor em seu coração, não aceitando que outros o façam por ele, sabendo
de uma coisa: as escolhas que fizermos nessa área trarão consequências que
atingirão toda a sociedade, sejam elas boas ou más. Portanto, assim como votar
é um ato de cidadania que exige do eleitor responsabilidade, escolher seus
representantes também o é, e deve ser feito com total responsabilidade e
autonomia, principalmente pelo crente em Cristo, que deve exercer seu voto, repito, de forma livre, espontânea e responsável, com temor e em oração, sem se submeter à coação ou ameaças impostas pelas lideranças eclesiásticas de sua igreja.
A
relação do crente com a política, seja na condição de eleitor ou candidato,
deve ser marcada, portanto, pelo compromisso e pela responsabilidade, sendo um
exercício de cidadania que se reflete em toda a sociedade. E essa cidadania
deve promover a glória de Deus, como sugere o texto sagrado: “Portanto, se vocês comem, ou bebem ou fazem qualquer outra coisa, façam tudo para a glória
de Deus” (1 Coríntios 10.31). A Bíblia ainda fala!
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[1] Leia: " O protagonismo político da igreja evangélica" e "Quando a política se torna religião"